16 novembro 2008

Não faltava mais nada


Um belo dia dividi meu espaço no ônibus com uma galinha (aquelas que têm penas e botam ovos) e escrevi um post dizendo que agora não falta mais nada. Engano meu. Às vezes eu esqueço que moro em Curitiba, a capital ecológica onde tudo pode acontecer. No centro da cidade temos o famoso calçadão onde podemos encontrar: palhaços tentando vender bonequinhos feitos de balão (para alegria das crianças e desespero dos pais), ciganas querendo ler sua sorte (!?), grupos musicais, duplas sertanejas, dançarinos de tango, estátuas vivas, pastores evangélicos gritando em megafones tentando converter os transeuntes, "poetas" tentando te empurrar um livrinho muito do vagabundo de autoria própria, pedintes e desocupados em geral. Não bastasse essa rica fauna esta semana estava indo para faculdade quando olhei para o lado e vi um homem levando um rato em uma coleira. Pisquei, balancei a cabeça e olhei de novo. Sim, era um rato em uma coleira, e era de verdade! Era tipo um hamister, só que um pouco mais desenvolvido.

Não, não vou falar que agora não falta mais nada. Sabe-se lá o que encontrarei amanhã.

ps.: Ah! Também já vi uma mulher segurando uma faca enorme e correndo atrás de um cara em pleno calçadão.


Imagem: finissimo.com.br

12 novembro 2008

A um passo

Estou a um passo. O simples movimento de levar um pé a frente do outro e pronto, o passo está dado. Mas é tão difícil. Dar este passo significa entrar no desconhecido, deixar a segurança para trás e lançar-me numa aventura que não sei onde vai chegar. Olho para os lados e vejo as pessoas simplesmente atirando-se para frente. Não consigo descobrir se o que elas têm é menos medo ou mais coragem do que eu. Esta é a última semana de uma moça aqui do trabalho. Quando ela me disse que ia sair, logo pensei “deve ter encontrado um emprego melhor e principalmente estável, afinal, ela não é mais da turma dos vinte e tantos e além disso tem dois filhos para criar”. Mas não, ela não encontrou um “emprego estável” pelo menos para os padrões de hoje. Ela e o marido vão mudar de estado, vão viver na praia às custas de um negócio próprio. Que maravilha eu pensei, e que coragem! Maldita coragem que me falta, sempre me faltou. Sabe pessoas com os dois pés atrás? Eu sou uma delas em muitas situações.


Meus avós paternos nasceram no Ceará, casaram por lá e mesmo antes do primeiro filho nascer desceram o mapa com destino à São Paulo. Só tinham um ao outro. Parece pouco mas foi o suficiente para construir uma casa e dar uma vida decente a três filhos. Meus avós maternos também, tinham a mesma coragem e o dobro de filhos. Após uma geada que destruiu a lavoura de café, deixaram para trás a enxada e subiram o mapa até São Paulo. Minha mãe, com dezoito anos, e com um irmão mais novo a tiracolo foi na frente e sem conhecer ninguém conseguiu emprego e uma casa para a família morar. Meus avós deram-me, através de seus genes, muitas das minhas características (menos os olhos azuis do meu avô paterno, droga!), mas cadê o gene da coragem? Será que houve algum problema na hora da divisão celular e, ao invés de um par de genes da coragem e outro do medo eu fiquei com dois pares de genes do medo?


Ontem estava lendo o blog da Larissa. – esta é uma pessoa de coragem, e de vontade – e aproveitei para assistir dois vídeos do Youtube que ela postou no lá. O primeiro é uma versão inglesa do programa Ídolos (eu acho) que mostrava a seleção dos candidatos a cantores. Sobe no palco um gordinho, dentes tortos e cara de bobo, e fica de frente para três jurados sisudos com uma platéia ao fundo. Perguntam o que ele vai cantar, uma ópera responde ele. Os jurados fazem cara de interrogação. Quando o rapaz abre a boca não há como não se emocionar, e olha que eu não tenho ouvido acostumado a esse tipo de música. Ele é aplaudido de pé. Ele deu um passo. O outro vídeo é sobre uma avó que cuida do neto de dezesseis anos que tem paralisia cerebral. O rapaz não anda e mal movimenta os braços e a cabeça. Sozinha a avó arruma o neto, o coloca na cadeira de rodas e vai até o ponto de ônibus. Quando chega o ônibus ela pega o garoto no colo (ele deve ter o peso de um adulto) sobe as escadas e o coloca no banco, desce e pega a cadeira de rodas. Na hora de desembarcar é a mesma coisa. Tudo isso para levá-lo até a clínica em que ele faz tratamento, pois seu maior sonho é vê-lo andar. O vídeo está em espanhol, mas não é preciso entender a língua para saber que esta doce abuelita deu centenas de passos.


Às vezes parece tão difícil para um bebê dar seu primeiro passo. Ele tem medo, duvida que vá conseguir, tenta ficar em pé mas cai. Tenta novamente e, meio desequilibrado, dá seu primeiro passo. Depois disso não pára mais, é só uma questão de tempo para que queira conquistar o mundo.


E após todos esses anos aqui estou eu, indecisa, com medo de seguir em frente porque, diferente da minha primeira vez, agora não há ninguém do outro lado da sala me esperando de braços abertos.

02 novembro 2008

Ensaio Sobre a Cegueira


Quantas vezes já desejamos fazer algo, talvez algum sonho secreto, e paramos assustados ao perceber que alguém nos vigiava? Esses olhos pesam sobre nossos ombros, olhos que podem ser de um pai severo tentando manter o filho longe de encrencas, de uma professora exigente tentando manter sua turma sob controle, olhos de um chefe limitado tentando podar um funcionário talentoso que o ameaça. Olhos divinos que nos seguem por toda parte, mesmo naqueles lugares em que olhares mortais não nos alcançam.

Esse olhar nos sufoca, nos reprime, nos faz pensar duas, três vezes antes de darmos vazão aos nossos desejos e, muitas vezes nos tortura. Todos têm, em maior ou menor grau, limitações. O que para alguns pode ser uma coisa totalmente corriqueira, como falar para uma platéia de cem, duzentas pessoas, para outros pode ser a morte. Mas o que determina essa diferença de atitude? Será que os olhares são mais brandos para uns do que para outros, ou será que a diferença está em quem recebe o olhar?

Se são os olhos do mundo que nos reprimem, então por que, mesmo quando ninguém nos vê ainda assim nos recolhemos, nos escondemos? Muitos falarão que é a divindade, que tudo vê, mas isso também vale para aqueles que não se curvam a nenhum ser divino? Será a consciência então, que está mais próxima de nós que nossos pais e que a própria divindade, que nos bloqueia e nos impede de fazer coisas que não são aceitáveis em uma civilização?

Seja o que for que nos vigia; a civilização, a divindade ou a consciência, impedindo-nos de darmos vazão aos nossos desejos; isso também nos protege. Impede que outras pessoas dêem vazão a desejos que são altamente danosos. Abrindo mão de uma parte de nossa liberdade garantimos um pouco de segurança.

Mas e se um dia você acordasse e descobrisse que ninguém mais te vigia, que ninguém mais pode te ver?


Em Ensaio Sobre a Cegueira os olhares que nos protegem e que nos acusam não existem mais. É hora de escolher em que lado ficar: lutar pela sobrevivência guiados pelo único juiz que a falta de visão não conseguiu eliminar - a consciência; ou liberar os instintos animalescos há tempos encarcerados dentro de nós. Talvez para quem assista seja fácil escolher o óbvio. Partindo da certeza de que somos seres civilizados devemos deixar a consciência nos guiar, mas e quando o instinto de sobrevivência fala mais alto e não existem olhares a nos denunciar?

O filme é uma fonte fecunda de sentimentos contrários. Primeiro a sociedade dita “civilizada” elimina de forma desumana e rápida aqueles considerados uma ameaça. Todos os infectados pela cegueira branca são levados para um sanatório desativado. Desta maneira a vida das pessoas “normais” não é afetada, elimina-se o mal pela raiz.

Dentro do sanatório, sem visão, sem regras, sem olhares que reprimam ou protejam, as pessoas devem escolher; ou se unem em bandos – assim como fazem os animais – para se protegerem de outros bandos ou morrem. A perda da visão significa também a perda da civilidade, do pudor e do respeito. O sonho de um dia poder se livrar dos olhares acusadores agora se transforma em pesadelo. Mas a mesma doença que transforma alguns em animais faz outros mais humanos. Ainda que ninguém determine as leis a serem seguidas e não exista punição para a contravenção os que cultivam o amor pela vida têm aí a sua salvação.


O filme começa num ritmo acelerado, com um homem que perde a visão de um instante para o outro enquanto dirige de casa para o trabalho e que mergulha em uma espécie de névoa leitosa assustadora. Uma a uma, cada pessoa com quem ele encontra - sua esposa, seu médico, até mesmo o aparentemente bom samaritano que lhe oferece carona para casa terá o mesmo destino. À medida que a doença se espalha, o pânico e a paranóia contagiam a cidade. As novas vítimas da "cegueira branca" são cercadas e colocadas em quarentena num hospício caindo aos pedaços, onde qualquer semelhança com a vida cotidiana começa a desaparecer. Dentro do hospital isolado, no entanto, há uma testemunha ocular secreta: uma mulher (JULIANNE MOORE, quatro vezes indicada ao Oscar) que não foi contagiada, mas finge estar cega para ficar ao lado de seu amado marido (MARK RUFFALO). Armada com uma coragem cada vez maior, ela será a líder de uma improvisada família de sete pessoas que sai em uma jornada, atravessando o horror e o amor, a depravação e a incerteza, com o objetivo de fugir do hospital e seguir pela cidade devastada, onde eles buscam uma esperança. A jornada da família lança luz tanto sobre a perigosa fragilidade da sociedade como também no exasperador espírito de humanidade. (...)

fonte: http://www.ensaiosobreacegueirafilme.com.br/main.php