Quando eu tinha uns oito ou nove anos de vez em quando alguém aparecia com a seguinte pergunta: O que você quer ser quando crescer? Não tenho uma boa lembrança do que os garotos respondiam, mas poucos, felizmente, diziam querer ser jogadores de futebol. Já as meninas variavam suas respostas entre modelo e professora, algumas chegando até mesmo a querer ser as duas coisas ao mesmo tempo (hoje eu teria medo de fazer tal pergunta pois a resposta poderia ser algo do tipo participante de reality show ou mulher de pagodeiro e/ou de jogador de futebol).
Devo confessar que eu e minhas amigas sempre brincávamos de “modelo”. Inventávamos uma passarela, criávamos nomes artísticos e esbanjávamos toda a graça e o charme que somente uma menina de oito anos pode ter. Mas bem lá no fundo o que eu queria mesmo era ser professora. As professoras eram para mim um porto seguro fora de casa. Algumas eram bravas, outras exigentes, mas todas tinham algo em comum: demonstravam ter amor pela profissão, coisa rara nos dias de hoje. Não vou aqui discutir questões como remuneração, reconhecimento e qualidade do ensino, mas se o número de pessoas que escolhem essa profissão diminuiu, algum bom motivo existe para isso.
Mas quero falar hoje sobre minha troca de papéis: de aluna passei a (quase) professora. Aquele desejo de criança ficou ali guardado por muitos anos. Terminei o ensino fundamental, o médio, fiquei grávida, fui trabalhar e um dia me deu aquela vontade louca de voltar a estudar. Fiz vestibular e passei para cursar Letras na UFPR, mais especificamente Inglês. Quero deixar claro que quase sempre estudei em escolas públicas e, sendo assim, o ensino de Língua Inglesa nunca foi prioridade. Ano após ano aprendia e desaprendia o verbo to be, uma eterna recorrência. Avanço significativo no aprendizado da língua estrangeira não tive quase nenhum. Fiz aqui e ali, quando sobrava algum dinheiro, cursos em escolas de idioma, mas nunca passei do segundo nível. Foi assim, com pouco inglês mas muita vontade, que entrei na faculdade. O primeiro dia de aula, lembro-me bem, foi um dos piores dias do curso. A professora despejava seu inglês em cima dos alunos e os alunos faziam uma cara do tipo “o que eu estou fazendo aqui?”. Havia na turma alunos com um inglês mais avançado, o que tornava as aulas ainda mais difíceis para mim. Terminei aquele meu primeiro dia na faculdade com uma certeza: aqueles próximos cinco anos não seriam fáceis.
Decidi correr por fora e me matriculei no curso de inglês do centro de línguas da Universidade. Trabalhava durante todo o dia, ia para a faculdade à noite e aos sábados para o curso de inglês. Os avanços aconteciam, mas eram tímidos. Muitas vezes pensei em desistir do Inglês e cursar somente o Português. Mas eu não podia fazer isso. Desde de criança, nas minhas brincadeiras, eu fingia falar inglês, ou algo que eu pensava ser isso. Enrolava bem a língua e saía conversando com bonecas e amigos imaginários.
Guardei a insegurança num cantinho, segui em frente e acho, tive mais acertos que erros. A prova de fogo aconteceu este semestre. Quando se está na posição de aluno, ainda que as coisas sejam difíceis, você tem a desculpa de que ainda está aprendendo ou, a justificativa mais fácil, que a culpa é do professor. Mas quando se está do lado de cá da sala de aula? Para qual lado correr quando se tem uma turma inteira com a confiança de que você sabe tudo (lembram? minhas professoras eram meu porto seguro fora de casa)?. Pela primeira vez estive do lado de cá da sala de aula e senti um misto de medo e realização. Medo, pois hoje sei que professores não sabem tudo e, ainda que não tenha saído da faculdade (o fim está próximo, e com isso me vem um misto de alívio e tristeza), sinto-me realizada por saber que aquela caloura que não sabia quase nada hoje sabe que precisa aprender mais a cada momento para quem sabe, um dia, ser o porto seguro de alguém.
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